Carismática comemoração
Endurecido pelos caprichos metereológicos que ditam chuvas fortes em finais de Maio, o 10.º Portugal de Lés-a-Lés/Moviflor viu exponenciadas as dificuldades anunciadas para a edição comemorativa e tornou-se numas das mais intensa travessias do País desde que a Federação Nacional de Motociclismo lançou tamanho desafio em 1999! E se é certo que o mau tempo, com fortes chuvadas e céu quase sempre de um cinzento muito carregado, retirou alguma beleza ao percurso serviu, por outro lado, para reforçar o espírito aventureiro da maratona mototurística e aumentar o grau de satisfação dos que cumpriram o percurso entre Bragança e Sagres. Assim, o que o mau tempo roubou em espectacularidade, pagou pelo dobro em carisma…
Dificuldades que começaram… ainda antes do arranque, com muitos participantes a viajarem sob fortes aguaceiros até Bragança, intempérie que se agravou durante a tarde, afogando boa parte do brilhantismo do belíssimo prólogo delineado pela Comissão de Mototurismo da FNM, com passagem por diversas aldeias típicas do concelho nordestino. Chuva que não intimidou os verdadeiros aventureiros, mesmo se impossibilitados de usufruir de todo o esplendor das fabulosas paisagens do Parque Natural de Montesinho, com direito a incursão em alguns caminhos de terra (perdão, de lama…) onde os muitos estreantes começaram a perceber que esta aventura pode ser realmente deveras exigente. E se há quem acredite no ditado que diz que «chuva civil não molha motard…», não menos verdade é que, ficou comprovado, «pode não molhar mas… humedece». É desgastante e obriga a cuidados redobrados quer pela estrada escorregadia, quer pelo menor conforto para os motociclistas, quer pela falta de visibilidade…
O prólogo foi, assim, marcado pelo mau tempo que, entre outras coisas, terá impedido de avistar lobos ibéricos no PN Montesinho mas deixou ver grandes carvalhais ou bosques de castanheiros e azinheiras, espécies que ocupam boa parte dos 74 mil hectares de solo xistoso e onde javalis, veados e corços passeiam livremente. Com as verificações técnicas na Cidadela de Bragança, o enorme palanque de partida foi instalado junto ao Domus Municipalis, ex-libris brigantino, rumo a circuito evocativo da primeira edição, com passagem por Rio de Onor, única aldeia meio-portuguesa, meio-espanhola, mas também França (a portuguesa…) e Gimonde. Pelo meio, direito à primeira travessia de um curso de água, de pequeno caudal, no rio Frio. Simples aperitivo anunciado pela organização tendo em conta as duras etapas que se seguiriam, mas que a chuva fez o favor de transformar em dura jornada.
Fantástico início em Trás-os-Montes
Com agradecimentos à Câmara Municipal de Bragança e ao Clube MotoCruzeiro, começavam as coisas sérias para a extensa e pouco colorida caravana, marcada pelo tom escuro dos fatos de chuva. Que não do semblante dos participantes, dispostos a não esmorecer perante as acrescidas dificuldades. O céu, esse, parece ter concordado em dar tréguas para a partida do 10.º Portugal de Lés-a-Lés/Moviflor, mas mantendo sempre o tom plúmbeo e ameaça de chuva a pairar sobre os capacetes dos primeiros participantes a lançarem-se à aventura, quebrando a pacatez de aldeias como Outeiro, Argozelo ou Carção e espantando muitos miúdos que, manhã bem cedo, rumavam às escolas.
As primeiras curvas, em bom piso, foram pois abordadas com grandes cautelas, evitando sustos causados pelo piso molhado e com a sujidade arrastada pela água da chuva. Forma de ganhar apetite para o opíparo mata-bicho servido pelo Moto Clube Furões, de Vimioso, logo após a visita ao Castelo de Algoso, centro de um concelho outrora poderosíssimo com vários forais e até carta de privilégio. Suplemento vitamínico que, juntamente com o resplandecente sol que então ganhava espaço às nuvens, parece ter despertado a vontade de sorrir.
Seguiu-se pitoresca descida ao rio Angueira antes da visita a Azinhoso, dona de igreja românico-gótica dedicada a Santa Maria, já no concelho de Mogadouro, onde os pequenos troços de terra trocaram o sempre temido pó por não menos traiçoeira camada superficial de escorregadia lama. Resultado das brincadeiras de S. Pedro que, autorizando o sol a brincar às escondidas, fazia com que, cada vez que cada vez que os aventureiros guardavam os fatos de chuva logo surgiam nuvens ameaçadoras. E foi assim na entrada no Parque Natural do Douro Internacional onde as giestas em flor (as conhecidas maias) recordavam o presente mês de calendário.
Sem tempo para ver o Cavalo do Mazouco, a primeira gravura rupestre ao ar livre identificada na Europa e com mais de 25 mil anos, a caravana tratou de olhar para o céu, procurando – e identificando - então abutres-do-egipto, antes de chegar a Freixo-de-Espada-à-Cinta onde o reconforto do estômago abria apetite para novas descobertas. Como a magnífica paisagem do miradouro de Penedo Durão ou da impressionante descida ao Douro, com entrada na Beira Alta pelo distrito da Guarda, através da ponte de Barca de Alva. O veterano MC Porto assegurava os primeiros controlos secretos do dia e lançava a boa disposição entre todos.
Alva e arrozais para a tarde
As rectas do planalto nordestino deixavam ainda brilhar algumas das cinquentinhas presentes, denotando menos dificuldade em conseguir velocidades bem interessantes que, pouco depois, na árdua subida à serra da Marofa, mesmo ao lado de Figueira de Castelo Rodrigo, com muita mão-de-obra para os side-car da Ural e algum sofrimento para as Clássicas.
Pinhel e a impecável traça dos seus edifícios mais o pelourinho e as duas torres acasteladas, recebeu os mototuristas para o almoço preparado pelos Falcões MC, comsobremesa, mais ou menos aguardada, a ser servida sob a forma de forte chuvada. Verdade é que o mais giro já estava visto e só o curto passeio a Celorico da Beira saiu realmente prejudicado! E assim a necessária passagem pela pouco interessante N17, a conhecida estrada das Beiras, viu apenas a monotonia da ligação a Coimbra quebrada por alguns bem interessantes desvios, como a descida ao rio Alva nas margens do qual MC Seita, de Oliveira de Hospital, serviu aprazível lanche em local condizente, seguindo-se agradável surpresa ao ver o papel de controladores dos MotoGalos, tão longe da capoeira… perdão de Barcelos.
Até à cidade dos estudantes, tempo ainda para ver a curiosa «livraria do Mondego», formação rochosa de extractos quartziticos de pendor subvertical, e passear entre campos de arroz carolino, em agradável trajecto delineado pelo Mototurismo do Centro, mesmo antes do último furo na tarjeta que os participantes transportam consigo, feito na loja Moviflor de Coimbra.
A interminável 2ª etapa
Mas o ponto alto da aventura estava guardado – qual filme de suspense! – para o final, para a segunda etapa entre Coimbra e Sagres.
Manhã bem cedo, ainda a lua não se tinha deitado, tal como muitos estudantes de uma das mais antigas Universidade da Europa (ou será que já estavam acordados para estudar para os exames?...) e já a caravana atravessava parte da monumental cidade coimbrã, rumo às verdejantes paisagens a sul do Mondego, com flocos de neblina matinal a conferirem uma aura de certo misticismo a esta partida do Portugal de Lés-a-Lés. Estradas muito agradáveis até Alcabideque, ponto de captação de água que servia para abastecimento de Conímbriga, a três quilómetros de distância, vencidos através de longo aqueduto, a maior parte subterrâneo. Tempo também para recomeçar o jogo do gato e do rato com S. Pedro…
Gozão, permitiu a saída de Coimbra com tempo seco, deixando mesmo a promessa de bonito dia solarengo, para, poucos quilómetros depois, brindar todos com mais uma descarga de água, obrigando os mais optimistas a nova paragem forçada para vestir os impermeáveis. Quem não acreditou nas benesses do santo apontado como director do centro de metereologia e saiu do palanque equipado a rigor seguiu mais rapidamente para Ansião com passagem no pior troço de terra de todo o Lés-a-Lés (felizmente de pequena extensão…) em contraste com a deliciosa estrada, via Rabaçal e Freixianda, até Ourém com tempo para apreciar a paisagem mesmo se a disposição podia ser bem melhor…
Visita ao altaneiro castelo, abandonando após o terrível terramoto que em 1755 abalou todo o centro e sul do País, com elementos do Natureza Motor Clube como anfitriões em pequeno-almoço despachado porque era tempo de atravessar outra região, com cumprimentos do Moto Clube Tesos do Ribatejo à passagem por Riachos, antes das visitas a terras de grandes tradições do toureio e da lide a cavalo, como Golegã ou Chamusca. Paisagens de charneca onde o touro é marca fundamental e onde o Moto Clube de Leiria deu importante contributo para o desenrolar da aventura. Tal como os Motociclistas sem Fronteiras, estrategicamente colocados em Mora, bem perto do Fluviário cuja explicação viva da fauna e flora desde a nascente à foz de um rio ibérico, muitas pessoas tem atraído, contribuindo, para além da sensibilização para a protecção da natureza e para a revitalização da vila alentejana.
Almoçar às 10 da manhã
Ainda antes do madrugador almoço em Brotas, coincidente com a concentração do simpático moto clube local, tempo para a caravana «engolir» uma corrida domingueira de cicloturistas e ser parada para a passagem dos carros que alinhavam no Rali Transibérico de todo-o-terreno. Afinal, a longa travessia de Portugal Continental é sempre dada a surpresas que nem a organização consegue controlar… Como a anulação da visita à Torre das Águias, singular edificação criada em 1520 e cujo representante do proprietário não quis que o monumento fosse dado a conhecer apesar do acesso ser por via pública. Mais depressa a caravana rumou para Montemor-o-Novo. E com a monotonia das primeiras rectas alentejanas quebrada pela visita a alguns centros históricos, como o de Alcáçovas com a sua grande Igreja matriz e imponente Paço Ducal, e pela acção dos controladores secretos como os do Moto Clube de Almada.
Entremeadas com longas rectas surgiram os não menos típicos estradões em terra, ligando propriedades e mesmo simpáticas aldeias como Abela - palco de grande festa expontânea com a presença do controlo do MC Moura - e onde Paulo Marques se sentiu particularmente em casa, rodando com a mesma segurança que em asfalto, mostrando afinal que todo o treino ao longo da bem sucedida carreira de piloto de todo-o-terreno – foi o primeiro português a ganhar uma etapa no Dakar… – serviu como boa preparação para poder participar no Portugal de Lés-a-Lés!
Experiência que também revelou grande utilidade na passagem da ribeira do Torgal, afluente do rio Mira, no local de uma espectacular piscina natural, o Pego das Pias, onde a ajuda dos Motards do Ocidente foi imprescindível e onde os elementos da Moto-Emergência tiveram o maior trabalho de todo o Lés-a-Lés… ajudando a levantar motos tombadas nos traiçoeiros poços de lama existentes logo à saída da ribeira. E chegaram à conclusão que a preparação física dos participantes está longe de ser olímpica, registando inúmeros casos de extremo cansaço, chegando mesmo à exaustão. Quanto ao resto e apesar da extensão da caravana e do elevado número de estreantes, «o saldo foi muito positivo», registando-se apenas algumas escoriações, ligeiros e uma entorse, fruto sobretudo de pequenas quedas em manobras e na travessia das mais delicadas passagens de terra. Excelente comportamento, sobretudo atendendo ao facto de, em conjunto, ter sido cumprido qualquer coisa como uma milhão de quilómetros por algumas das mais difíceis estradas que existem em Portugal!
O rabo do gato é o mais difícil de esfolar
Paisagens imponentes marcaram a chegada ao Algarve, já com a companhia do sol, com nova dose de fabulosas curvas na serra de Monchique, pitéu muito apreciado entre os participantes na grande aventura, muito contribuindo para o desgaste equilibrado dos pneus, arredondando a superfície de contacto com o solo. Já com o mar no horizonte e visita à Loja Moviflor de Portimão para mais uma marca na tarjeta que atestava a passagem por todos os pontos marcados pela organização, muitos pensavam estar bem perto do final. Perto sim mas havia ainda mais estrada pela frente até Sagres. E a ajuda do Moto Clube de Albufeira para encontrar o caminho mais… longo, entre belas matas nas proximidades das localidades de Barão de S. João e de S. Miguel que, mau grado a proximidade de um Algarve dominado pelo turismo, mantém a simplicidade das mais puras tradições regionais.
Em final de grande espectacularidade, mostrando um Algarve por muitos desconhecido, longe da descaracterização ditada pelo turismo de massas, o passeio em final de tarde para os primeiros, ao início da noite para os últimos, no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, teve direito a visita às belíssimas praias de Boca do Rio, Zavial e Ingrina, onde o Moto Clube Corvos de S. Vicente montou o último dos vinte controlos de passagem. Derradeira paragem antes da festa final mesmo em frente à Fortaleza de Sagres, com as vistas sobre o Cabo de S. Vicente, o extremo Sudoeste de Portugal, a servirem de despedida do 10.º Portugal de Lés-a-Lés/Moviflor. Abençoado pela chuva que voltou a cair mal terminou o jantar, ditando despedidas mais apressadas até à 11.ª edição da grande maratona mototurística, já com data marcada: 11 a 13 de Junho de 2009!
Texto: FNM
Texto: FNM
Publicado em 16/11/2010
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